Foto: Daniel Miranda

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Quinhentos degraus

Quinhentos degraus
Paulo Heuser

Nenhum degrau é igual a outro. Uns são mais altos, outros mais curtos. Os quinhentos degraus que levam à torre mais alta do castelo parecem infinitos, impressão reforçada pelo vento gélido da tarde de inverno. Há muito vento, que corta as partes descobertas do rosto. O fôlego se vai, e a respiração se torna cada vez mais audível. A única coisa que conforta é a vista. O degrau 337 rouba o resto do fôlego e cobra uma pausa. A amurada oferece abrigo, apoio e permite pensar no que há, afinal, por trás das guerras. Cristãos e mouros derramaram sangue sobre esses degraus, ora uns, ora outros, desde o século VIII. Fiéis enfrentam os hereges e estes os infiéis, e qualquer combinação disso, o que se repete ao longo dos milênios. O problema seria religioso, portanto. Crentes em deuses distintos, ou no mesmo, com nomes distintos, digladiam-se em nome das religiões. Faria todo o sentido, se não fosse o dinheiro, que pode assumir a forma líqüida.
O mundo ocidental tornou-se cada vez mais dependente do precioso produto cuja produção está na mão de poucos, muito poucos. A religião é apenas a desculpa para as guerras. As nações deixam de exercer o poder e tornam-se apenas fachadas para as corporações que exploram o ouro líqüido. Hoje, o sangue derramado nesses degraus seria outro. A verdadeira guerra se trava nos mercados, e as fronteiras físicas deixaram de ter importância. O cartel patrocina toda espécie de eventos, sejam eles esportivos, culturais ou bélicos. Por que Bismarck adulterou o texto do telegrama de Ems e deu origem à Guerra Franco-Prussiana? Por que Hitler invadiu a Polônia, França, Itália e a Rússia? Voltando no tempo, o que levou às Cruzadas? Por que perseguiram aquele grupo dos treze que partilhavam o pão e o vinho? O líqüido. Ele está por trás de tudo.
Refeito o fôlego, hora de enfrentar os 163 degraus restantes. As guerras de hoje não mancham mais de sangue os degraus das escadas que levam à Torre Real do castelo dos Mouros de Sintra. A luta agora se trava nas terras dos mouros. Afinal, eles afrontam o cartel do ouro líqüido, pois não bebem cerveja.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A grande noite

A grande noite

Paulo Heuser

Como alguém deve ter notado, andei meio afastado da pena. O Moacyr Scliar diz que escrevemos como forma de catarse. Creio que ele tem razão, principalmente depois que descobri, em algum dicionário, que catarse significa purgação, evacuação ou purificação. Isolando a purgação e a evacuação, deixando-as no plano mais fisiológico, digamos assim, resta a purificação da alma após um trauma. Quem me deixou com vontade de catar-me foi o Paul McCartney. Confesso, assisti ao show dele. Tudo começou, uance oponataime, quando anunciaram que o ex-eterno-Beatle viria a Porto Alegre. Confesso que relutei, inutilmente, em comprar os ingressos, não apenas pelo preço, um tanto salgado. Não que eu não gostasse do Paul McCartney, ainda mais que ele não traria junto o Ringo Starr. Ocorre que eu detesto duas coisas na vida: arroz doce e Imagine. Ok, Let it be também. Tá, acrescente Yesterday. Porém, logo descobri que ir ao show era uma obrigação social, algo como uma peregrinação, que todo mundo tem de fazer, pelo menos uma vez na vida. Comprei os ingressos pela Internet, pagando uma “taxa de conveniência” de 16%. Foi muito conveniente, para não dizer revolucionário. Você compra pela rede e paga 16% para retirar o ingresso numa fila lá no estádio. Prodigiosamente conveniente! Para eles.
Eis que chega o dia, finalmente. Consigo me esquecer daquelas três músicas, e do arroz doce, e me encho de esperança, pois ele tocará Let ‘em in, Eleanor Rigby e A Day in the life, das quais eu realmente gosto. Chegar até o estádio até que é fácil. O problema é entrar lá. Há filas por todos os lados, mesmo após hora e meia da abertura dos portões. Se todos os caminhos levam a Roma, nenhuma dessas filas leva a algum lugar, apenas às outras filas. Elas serpenteiam, giram em torno de si, não têm início nem fim, apenas algo em comum, gente que não sabe em que fila está. Os prometidos orientadores de fila estão fora das filas, dentro do estádio. Do lado de fora, Medusa enfia o dedo na tomada e sobram serpentes enlouquecidas. O pessoal das filas bebe cerveja e conversa com quem está nas filas que se cruzam periodicamente. Deve haver uma função de senos e cossenos que explique isso. Imagino o que acontecerá com as bexigas repletas de cerveja. Uma mulher grita, furiosa, pois nossa fila estaria invadindo a dela. O marido, impassível, toma um longo gole e arrota ruidosamente. Ele tenta encobrir a barriga com a camiseta “Eu estive lá” baby look. Chegamos de alguma forma ao portão. Hora de retirar as tampas das garrafas de água. Pode-se levar qualquer coisa na garrafa, desde que não haja tampa. A revista das bolsas, que não há, deixa passarem facas, soqueiras, granadas, bazucas e potes de arroz doce. Passada a roleta, fica fácil, basta espremer-se, com mais milhares de pessoas, num corredor estreito, que leva ao gramado. Não é necessário caminhar. Bóia-se na correnteza do mar de gente. De onde sairá tanta cerveja? Lá dentro, nova fila, imensa, a do bar. A chegada ao gramado é um alívio. Há pelo menos 0,3 metros quadrados por pessoa. Não para de entrar mais gente, vinda daquele funil humano. O cheiro da cerveja já lembra o das seis da matina no baile do chope. O sol se vai e agora é só esperar. E defender meu 0,3 metro quadrado de grama. Há um pessoal que tenta invadir meu terreno, repilo-os. Joguei handball quando estive no colégio e sei defender meu terço de metro. Só não consigo repelir a fumaça daquilo. O pessoal fuma bosta seca, sem parar. Isso faz os fundos do Parcão se parecerem com uma sala de atmosfera limpa. Virei fumante passivo-compulsivo de marofa, a ponto de tornar I got a feeling em algo palpável.
Após hora e tanto e alguns alarmes falsos, ele chega. Lá está ele, Sir Paul McCartney, ou, pelo menos, um playmobil anão que se parece com ele. Os telões imensos ajudam, pois a essa distância o Tiririca passaria pelo Sir Paul. O show começa e o público delira. Pudera, o homem faz jus à fama. A marofa é tanta que me surpreendo cantando uma daquelas três músicas. Mais algum tempo nesta sauna de viquevaporube paraguaio e serei capaz de comer arroz doce. Chega a encobrir o fedor de cerveja. O efeito parece geral, pois uma senhora bate em todos que estão por perto, atingindo-os com uma estranha almofada de azul acetinado, saída do sofá de alguma titia velha.
Justiça seja feita, Paul McCartney canta, toca e se comunica com a platéia durante três horas, com afinação, carisma e sem demonstrar o mínimo cansaço. Parecem trinta horas, em meio a essa nuvem. O homem arrisca frases em português e, aparentemente, usa o tradutor do Google, pois grita coisas como uóblirrublá e espera que a platéia as repita. Funciona, efeito da marofa, com certeza.
Por um momento, lembro-me de 1965, quando assisti ao filme Help, dos Beatles, num daqueles finados cinemas da Rua da Praia, levado por uma das primas, creio que foi a Suzana. As mulheres gritavam e desmaiavam, só de vê-los na tela. Imagine o que fariam se os vissem assim, quase ao vivo, encobertos apenas pela distância e pela nuvem de esterco queimado. Morreriam, por cento.
Após os bis e tris, volto para casa, realizado. Valeu cada tostão, e nem precisei comer o arroz doce. Rezo para que nenhum policial pare o meu carro. Escaparei do bafômetro, mas do fedor daquilo, impregnado nas roupas e cabelos, não. Só faltou Lucy in the Sky with Diamonds. Outros tempos.             

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O filho espúrio

Na janela da minha garganta ele fez seu ninho, corrompendo a borboleta que ali existe. Uma lesão, diz-se. Algo irregular, de consistência sólida. Não funcionante, diz-se. 92% na roleta. Estranhas fotos, daquilo que os olhos sozinhos não podem ver. Uma sombra crescendo quieta dentro de mim, dilatando um útero que não há. Uma escuridão de não futuro, silenciosa, comendo a luz do tempo que já não sei se terei.

Está lá, disse a mulher. Eu ri. Não é verdade, pensei. Estou dormindo e sonhando. Fantasia de mente perturbada. Apenas uma comum “patia” sem “plasia” para doer. Não pode haver intrusos na minha fortaleza. Outros podem ter isso. Não eu, claro, como assim, eu? A dor que não sinto faz meu coração bater como um louco. De incredulidade? Como sintoma de não ser imortal.

Olho em busca de sua forma, mas não há sinais visíveis, apenas minhas mãos trementes e a minha energia corroída por algo que não posso enxergar. E uma canseira invencível que pensei que era de mal viver. É mentira, quero acreditar. Os doutores não mentem. Mas eles se enganam, insiste a teimosia. Porque nunca fui tão inteira como agora, diz a imagem no espelho.

Mas dias há em que viver é tormento, quando a criatura é mais forte que eu criadora. Quando meu corpo não amanhece e eu só quero que o dia acabe. Quando coisas “ites” oportunistas aproveitam a debilidade momentânea e a imortalidade não é mais crença. Quanto temo os olhos dos outros e me faço segredo.

A quietude do monstro reflete o meu silêncio. Massa indolor, diz a pesquisa. Ah! E a dor da alma, não conta? Não é uma criança, não tem forma nem pais. Este ser que cresce em mim nunca nascerá ao mundo, mas será que me levará com ele? Mesmo que se vá sozinho, e seus filhotes metastáticos não se espalhem pelo meu corpo, deixará uma cicatriz para lembrar-me sempre que já esteve aqui: Viva, Celeste, que a vida é curta!

Sei que está devorando devagar o meu corpo, mas não levará minha alma. Cortarei as asas da borboleta violada para levar embora o ogro indesejado. Não mais alada? Só ela, não eu. Eu, mais do que nunca, adejando a vida em cada sorvo de respiração. Radioativa como nenhum super-herói poderia, viverei amanhã os sonhos embolados nas curvas anteriores.

Em sobreVIDA, vou sapatear um drama flamenco no pulsar de um coração que não vai parar de bater. Cantar como se chorasse desde o estômago, sem medo da voz que poderá se perder. Explodir o mundo em fogos de artifício e em tardes de chuva. Saltar as cachoeiras num vôo cego e correr pela névoa até o deserto da cidade. Deixar o gosto da plenitude escorrer pela minha boca até ser inundação. Sentir a pele relampejando ao tato. Esquecer conceitos que são grilhões. Amar maior do que a Terra pode conter. Aceitar a impermanência como homenagem à vida. Dançar como se flutuasse depois da crisálida rompida. E fazer amor como em labaredas de calendário.

Viva, Celeste, que a vida é eterna!

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Lound teibel

Ninho do Ovo
Foto: Paulo Heuser
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Laund teibel

Paulo Heuser



Todos os fatos da vida estão conectados de alguma forma. Este é um fato, mesmo que não percebamos imediatamente essas conexões. Em alguns casos, elas são bastante sutis. Vejamos o caso do assassino serial de Poughkeepsie. A relação dele com as virilhas poderia parecer óbvia, mas não é.
Em outubro de 1996, Wendy Meyers, 30, desapareceu na cidade de Lloyd, Condado de Ulster, poucos quilômetros ao leste de onde sumiu, em dezembro do mesmo ano, Gina Barone, 29, na pequena Poughkeepsie, no Condado de Dutchess, margem direita do Rio Hudson. Não foram as últimas a se desvanecerem naquela região. Mais seis desapareceram, até que uma prostituta, que seria a nona vítima de Kendall Francois, conseguiu fugir da casa dele, em Poughkeepsie. Ele foi preso. Em 11 de agosto de 2000, Francois foi sentenciado à prisão perpétua, que cumpre na prisão de Attica. A arte imitou a vida, e John Erick Dowdle produziu e dirigiu, em 2007, o filme The Poughkeepsie Tapes, no qual a polícia daquela cidade teria encontrado 800 fitas mostrando a ação de um assassino serial. As oito viraram oitocentas, mas o cinema é assim.
Cheguei a Poughkeepsie numa chuvosa tarde de domingo, após 27 horas de viagem e de pacotes e mais pacotes de bolachas de bordo. O destino ainda me faria sentir saudades delas. Constatei, de estalo, que os nativos do norte do Rio Bravo são super-humanos, pelo menos no que diz respeito ao estômago. Lá conheci Robert, um alemão, que insistia para comermos no restaurante chinês, onde poderíamos, nas palavras dele, comer tanto quanto pudéssemos. Ou seja, havia um bufê, coisa desconhecida em paragens tudescas. Já na primeira noite, jantei no Bugabú Cric, restaurante onde se encontrava um enorme búfalo empalhado dependurado na parede. Lá pelas tantas, sem aviso prévio, o ex-vivente começava a se mexer e dava um discurso empolgado. Robert parecia preocupado, como que alguém poderia comer num lugar com aquele nome? A comida até que passava, desde que se implorasse para que não colocassem o molho especial, lá sempre há um. - No dressing, please, in the name of God! Simples assim. O tal de dressing estragava qualquer coisa que se parecesse com algo comestível, especialmente quando o restaurante se especializava na cozinha qualquer-nacionalidade-americana. Cozinha austro-americana significava schnitzel com dressing de algo fabricado nas profundezas do Golfo do México. Os frutos do mar de lá já vinham de fábrica com esse molho. Por outro lado, a cozinha ítalo-americana era feita à base de massa com dressing de american cheese, cuja composição química nem a British Petroleum conseguiu descobrir.
Cedo descobri que o Robert estava coberto de razão. Os alemães não fabricam Mercedes e Audis à toa. Há ciência por trás daquilo. O chinês era a salvação, pois não havia comida sino-americana. A especialidade chinesa era a galinha indiana. Spicy eram as outras, aquilo era vulcânico. Mas, pelo menos, não levava molho de polímeros. O Robert indicava também a alface, único prato americano que não é empanado nem frito. Por enquanto. Curiosa mesmo era a recepcionista do restaurante chinês, uma chinesa, casualmente. Ela nos mandava à laund teibel, apesar de todas as mesas parecerem retangulares. Isso me intriga, mesmo agora. Mais intrigante foi o almoço do Dia das Mães. Estava eu sem mãe e sem lugar para almoçar. O chinês estaria lotado com famílias que deixariam a máquina de lavar louças descansar. Optei por passear pelo interior do condado de Ulster, no outro lado do rio. Numa encruzilhada da rodovia 213, em High Falls, encontrei um pequeno restaurante que me atraiu a atenção, pela decoração, como direi, extremamente eclética. O colorido e a panaceia de objetos estranhos me distraíram, e não percebi tratar-se de um lugar especializado na effrayante novelle cuisine américane. O lugar estava vazio, o que, naquele dia em especial, deveria ter soado como um alarme. O nome da casa, Ninho do Ovo, até que não assustava. Uma mulher da terceira idade, com cara de mamushka, veio me atender. Sorria, quando me disse que eu não poderia sair de lá sem comer o Reuben. Comamos o Reuben, pois, pensei. Em High Falls faria como os highfallianos. Eu olhava distraído ao redor, quando o Reuben chegou. É difícil descrevê-lo. Mais difícil ainda, foi digeri-lo. Uma espécie de sanduíche de carne recheado com chucrute e molho russo, pasta feita de ketchup, maionese e vários tipos de pimentas. Ah, guarnecido de algo que chamavam batatas inglesas, mas eram daquelas de pacote de salgadinhos.
Após passar muitos dias comendo alface, e com alguns quilos a menos, constato que as coisas por aqui também estão mudando. Paro na frente de um restaurante que oferece virilhas por R$ 20,00. O que não inventam? Ubre, tripa grossa, miolos, bagalhões e, agora, virilhas? Bem, percebo que, afinal, não é um restaurante, é uma casa de depilação. Que seja, é estranho, assim anunciado.
Voltamos às conexões entre os fatos, até agora desconexos. O Reuben me levou a pensar que a prisão perpétua pode ser bem pior que a pena de morte. Fico a imaginar o Kendall Francois comendo da effrayante novelle cuisine américane, todos os dias, pelo resto da sua miserável existência, sem chinês, sem laund teibel.




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terça-feira, 25 de maio de 2010

PARALELAS

Somos metades de única esperança.
Viajando à luz do sol e reflexos estelares.
Vítimas de invulgar inconvergência.
Nossas mãos a se buscarem na distância.
Erigem muros em alicerces diferentes.
Embora próximos, em paralelo caminhamos
Na busca das comuns experiências.
que nos devolvam os sonhos e lembranças.
Esquecidos no passado que tivemos.
Separados nos caminhos que trilhamos.
Com cega impaciência.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O faroleiro de Saugerties

Saugerties Lighthouse
Foto: Paulo Heuser
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O faroleiro de Saugerties

Paulo Heuser


Após algum tempo, posso afirmar, eles não caminham. Não os daqui, pelo menos. Quando cheguei, fiz o que faço lá, fui caminhar. Esse negócio de Fahrenheit confunde um pouco. Levantei cedo, vesti roupa esportiva e me fui porta afora. Depois de alguns minutos, tremendo, descobri duas coisas. Não havia ninguém na rua, às 6h45, e 40F não era exatamente uma temperatura agradável. Atribuí a ausência de viva alma ao frio. Foi Robert, o alemão, quem me alertou, não caminhe, disse ele, eles estranham. Robert é veterano por aqui, sabe das coisas. Ele adora o clima daqui. Outro dia amanheceu a qualquer coisa Fahrenheit que, segundo o Google, dava -6C, negativos, mesmo. O Robert saiu em mangas de camisa, soltou um suspiro extasiado, que logo congelou, e disse da beleza da primavera daqui. É bonito, as tulipas congeladas ficam lindas. Pode-se quebrá-las. O pessoal só anda de carro. Pudera, não há ônibus. Ou melhor, há, mas nunca os vi. As paradas estão lá, porém, nada dos passageiros e nada de ônibus. O nome da empresa, impresso nas placas das paradas, pode explicar alguma coisa, pois é o Expresso Leprechaun. Ou seja, para encontrá-los, deve-se ir até o fim do arco-íris.
Não prestei atenção ao aviso do Robert e insisti em caminhar, afinal, este é um país realmente livre, desde que você não caminhe, descobri depois. Observei que há avisos, em alguns quintais, alertando de que estão de olho em você. É estranho, ninguém à vista e aquelas placas. Dá nos nervos. Encontrei um parque, Locust Grove, perfeito para se caminhar. Para diminuir a desconfiança, comecei a usar o carro para ir até lá. O parque é fantástico, há trilhas, entre uma mata de um verde desconcertante de tão fantástico. Contudo, levei algum tempo para me acostumar aos sons que emanam lá de dentro, feitos pelos esquilos, veados e outros animais, ruídos de galhos quebrados e folhas se movendo. Lembra filmes de terror. Lá dentro, além dos animais e da chinesa, ninguém. Pode ser difícil explicar a chinesa, mas tentarei. Ela me deu um tremendo susto, pois saiu correndo e gritando, de dentro da floresta. Desfeito o pavor inicial, mútuo, ela me explicou que, como eu, gostava de andar e temia andar pelas ruas, pois tinha a sensação de estar sendo observada. Ao me ver, confundiu-me com um urso albino e pôs-se a correr, já que os ursos daqui não sabem que um ser humano anda sobre as próprias pernas. Pensam tratar-se de outra coisa. Robert não ficou surpreso, quando lhe contei. Ele me confidenciou que parou de caminhar, na primeira vez que veio para cá, quando foi interceptado por uma policial, motorizada, é claro. Ela recebera denúncia da presença de alguém andando, isso mesmo, a pé. A partir de então, Robert faz como eles. Vai de carro, mesmo à farmácia, que fica à distância de míseras 50 jardas, seja lá quanto for isso. Robert observou, com astúcia germânica, que o campinho de minigolfe, aqui ao lado, está sempre vazio. É porque o carrinho elétrico quebrou, explica ele. O pessoal teria de andar três jardas, seja lá quanto for isso, de um buraco ao outro.
Caso estranho aconteceu em Saugerties, no outro final de semana. Fui conhecer o farol de lá. Para chegar até ele, percorri uma trilha, em meio à mata e um pântano que só permite a passagem durante a maré baixa. Sozinho, para variar. Não havia nem chinesas por lá. Nem ursos albinos, nada. Após 800 jardas, seja lá quanto for isso, cheguei ao farol, que faz jus ao nome de lighthouse, pois tem formato de uma casa, na confluência do Hudson com o Eposus. O lugar apresenta uma desolação poética, açoitado pelo vento, em meio à solidão do pântano. Para minha surpresa, abriu-se uma porta, e surgiu um rosto muito velho, de longas barbas brancas. Ele me olhou, de cima a baixo, e falou, com voz cansada:
- O senhor não é daqui...
- Como o senhor pode saber, se nem falei?
- Ora, nenhum homem daqui anda, em pleno domingo, sem um boné na cabeça, nem na igreja! Onde está seu o carro?
Os olhos dele percorreram as redondezas, aflitos.
- Vim andando... – respondi.
- (Censurado)! - ele praguejou. – O primeiro que aparece aqui, em 47 anos, vem a pé? Por que alguém faria isso? Como é, afinal, que sairei daqui? Espero que me busquem, faz todo esse tempo!
- Ora, por que o senhor não anda até lá, afinal, são apenas 800 jardas, seja lá quanto for isso, e a trilha não é tão ruim. Além do que, o senhor não veio para cá de carro, não é?
- Não, mas aqueles foram outros tempos...
Ele fechou a porta e me deixou sozinho, a pensar em quanto faltaria para a maré subir.



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terça-feira, 11 de maio de 2010

CONDICIONAMENTO

Ante o medo e a expectativa o homem está sujeito a estranhos procedimentos, somente justificáveis pelo avanço da medicina e a vontade de espichar um pouco mais sua vivência sobre a terra
Primeiro as recomendações calcadas em diagnósticos preocupantes, depois as instruções para os preparativos baseados em dietas específicas, compostas mais de medicamentos do que propriamente alimentação.
De permeio, se possuir plano de saúde e necessitar de autorização da mantenedora para realizar o exame recomendado, enfrenta uma fila que, por menor que seja, causa o dissabor de ver pessoas passarem a sua frente por terem avisado na recepção, e ele não, que se enquadrava em um dos grupos preferenciais: idoso, gestante ou deficiente físico, mesmo que ele aparente, sem sombra de dúvida, estar bem próximo dos setenta anos.
Vencidas estas etapas vem a sala de espera do hospital, onde são realizadas as endoscopias e as colonoscopias, nome este que o próprio Aurélio se nega a definir: informando conhecer "colonos copias", numa alusão talvez ao trabalhador da terra que aprende a copiar alguma coisa, mas no dizer médico significa o exame de parte do intestino grosso.
É inimaginável o número de pessoas que ali se reúnem, Talvez por isso o atendente, circunspeto atrás do balcão, após a identificação e assinatura de alguns papéis por parte do paciente, distribui pulseiras coloridas, embora não ponha nela qualquer sinal de identificação, fazendo com que todos se olhem para ver qual a cor que o vizinho(a) da cadeira está portando, ao mesmo tempo em que lembra maliciosamente das badaladas pulseirinhas adotadas pelos jovens para avaliação do próximo passo no jogo da conquista amorosa.
Depois vem o momento da verdade, aquele em que dependendo do diagnóstico, ele volta para casa com um sorriso nos lábios ou com o semblante carregado.
Atendentes que se multiplicam nos corredores e saletas apontam armários onde todos os pertences dos pacientes são trocados por um uniforme comum aos que se submeterão à endoscopias e colonoscopias. Em seguida os levam à ante-sala do gran finale.
Muitos pacientes conhecem as conseqüências e a necessidade de alguns cuidados antes de serem anestesiados, outros não. Esses não entendem a razão de serem questionados, quando se submetem à realização de colonoscopia, sobre se usam ou não prótese dentária, uma vez que sabem que o exame de seu intestino grosso não será realizado pela boca.
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Pereira.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Deu "tilti" na autora


A princípio, éramos quatorze, ou quinze. Decide, quatorze
ou quinze? Depende se o mestre entra ou não. Ele entra
ou não entra? Vou fazer como os três mosqueteiros. O
que têm eles a ver com a história? Tu não sabes? Eram
quatro e não três. Continua, o que aconteceu com os
quatorze (ou quinze)? No meio do caminho um saiu. Que
pena! Treze insistiram em prosseguir. Que bom! Duas
exclamações, não. É feio. É nada! Piorou a situação,
agora são três. Quem se importa? Deixa pra lá. Então,
eles chegaram. Quem? Os treze, lógico. E não é que isso
virou um blog? Treze à Mesa. Mesa grande essa. Era pra
ser, não fossem algumas baixas. Como assim? Isso foi
depois da chegada. Alguns nunca mais apareceram, outros
aparecem de vez em quando pra matar a saudade. Hum! e o
que vocês faziam à mesa? Tu continuas botando exclamação.
Boto quantas eu quiser! Desisto, mas já vou te avisando.
Ninguém vai gostar...Tu ainda não me respondeu! Céus!!!
Dessa vez não fui eu!. Pra mim chega, entra no blog que tu
vais saber.

MAB





terça-feira, 30 de março de 2010

Chão de brigadeiro

Foto: Wikipedia
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Chão de brigadeiro

Paulo Heuser



A coisa se complicou. O aeroporto fechou novamente. Chove demais, e os atrasos contaminam toda a malha aérea. Pouco se pode ver pela janela, a água que escorre pela fuselagem não deixa. Os minutos passam, as portas estão fechadas, todos estão com aquela cara besta pré-decolagem, e nada. Não há condições, a pista está encharcada. O brilho dos relâmpagos não anima, mesmo na ausência de trovão audível. As comissárias tentam animar a turma e distribuem aperitivos mini para todos, ainda no chão. Mau sinal, tanta generosidade anuncia que a espera poderá ser longa. Um homem usando quipá abana a mulher grávida. Os minutos passam e compõem meia hora. Vem a boa nova, o comandante anuncia que a chuva amainou e, em breve, será possível decolar. Como para todo yang existe um yin, vem a má notícia: há fila para a decolagem, pois vários aviões ficaram retidos no solo. Antes que alguém se rebele, as comissárias distribuem farta ração de aperitivos mini. Todos mastigam satisfeitos. Quando misturados com a saliva, os aperitivos transformam-se numa curiosa massa para calafetar. Celulares desligados, e la nave va. Vai até o fim da fila para a decolagem. O avião é o oitavo e anda em passo de saída de formatura em Direito. Arrasta-se sobre o concreto molhado. O passageiro da 21A ronca. O homem do quipá abana a mulher. Os demais passageiros tentam engolir seus aperitivos mini. Quem voa com freqüência sabe, para descolá-los dos dentes, fazem-se gargarejos com refrigerante zero. Os minutos passam. O passageiro da 21A ronca. O comandante anuncia aquilo que todos temiam, menos o passageiro da 21A, que só teme a insônia: o aeroporto fecha novamente. A chuva volta com tudo, logo agora, que os outros sete se foram. Os minutos passam, e nada de nova ração de aperitivos mini. Não pode, todos devem ficar sentados e afivelados. O homem de quipá abana a mulher. Algo acontece, pois desta vez o comandante pigarreia antes de falar. Após 1h15 de espera em solo, com os motores acionados, será necessário reabastecimento. E la nave ritorna. Pelo menos, durante o reabastecimento, haverá nova ração extra de aperitivos mini e refrigerante zero. Serve de consolo. De onde vêm todos esses aperitivos? O passageiro da 21A ronca. Em meio à volta, o grito: - Comissário! O homem de quipá acode a mulher grávida que enche o saco para enjôo. O ocupante da 20C comenta: - Se ela enjoa no chão, como será no ar? O passageiro da 21A acorda com o solavanco que indica a parada no finger, confere o relógio, espreguiça-se e declara: - Chegamos, que vôo agradável...



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sexta-feira, 19 de março de 2010

Mistérios da mente

Fonte: Wikipedia
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Mistérios da mente

Paulo Heuser


Ulli adora os pastéis de joelho de porco. Sua predileção recai sobre os Schweinshaxepasteten da Áustria, mais crocantes, quando comparados aos Eisbeinpasteten de Munique. O primeiro contato dele com essa iguaria ocorreu em Kirchdorf an der Krems, Áustria, na Schweinshaxepasteten-Haus GmbH, minúsculo restaurante localizado no Simon Redtenbacher Platz halb 4. Os pastéis de lá são inigualáveis, recheados generosamente com um joelho de porco assado e meio repolho roxo. Ulli é o apelido do Klaus-Ulrich Klosettschüsselfüllung, filho de um vendedor de medidores de pH para chucrute, que imigrou para o interior de Linha Nova Áustria do Sul, RS. O pequeno Ulli desde cedo mostrou uma queda para as ciências químicas, como o pai. Ainda no jardim de infância, desenvolveu sua variante para o clássico Abfülltenfurtzen (peido engarrafado) e acrescentou traços de gás de repolho ao gás sulfídrico - H2S. A genialidade precoce do menino não passou despercebida, e ele foi enviado à Universidade da Basiléia, Suíça, onde se graduou em Química e doutorou-se em Neuroquímica, orientado pelo célebre prof. Albert Hoffman, aquele que fez a juventude dos anos 60 e 70 enxergar coisas coloridas onde nada havia. Ulli não seguiu os estudos psicodélicos do mestre e dedicou-se a desvendar os misteriosos mecanismos da memória. Embrenhou-se nas ligações químicas efetuadas pelos neurônios responsáveis pela codificação, pelo armazenamento e pela recuperação das sensações e das ideias.
Foi num sábado, lá pelo meio-dia. Ulli deu um pulo até Vale do Sol. Lá, seguindo pela pequena estrada que cruza próximo à Pousada Formigão, há uma casa onde mora Oma Elfriede, uma velha senhora austríaca, que domina a arte da confecção dos Schweinshaxepasteten. Ele não estava sozinho, havia turistas da Capital, que, de alguma forma, haviam chegado até lá. Oma Elfriede complementa a renda familiar através da especialidade culinária que é transmitida de mãe para filha, os Gerosteschweinshaxepasteten, versão de forno dos fritos, os Gebrateneschweinshaxepasteten.
As moscas já empestavam o alpendre sob o qual os comensais se sentavam, à longa mesa de madeira rústica. A conversa girava em torno das Olimpíadas de Inverno de Vancouver. Comentavam da loucura de alguém que se jogara perau abaixo, de cabeça, em um minúsculo trenó. Um sujeito calvo, que matava moscas com palmadas certeiras, perguntou:
- Vancouver fica na Alemanha?
- Não, se ficasse na Alemanha chamar-se-ia Von Kuwer... – respondeu-lhe alguém.
- Ah, percebi, fica na Holanda!
Essa conversa foi o gatilho que disparou a tempestade no cérebro do Ulli. Ele finalmente pode desvendar os mistérios neuroquímicos da memória. Pena que ele não se lembra mais disso.


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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Tour


Eu, por distração, fiquei de costas para o fotógrafo.
Alguém me reconhece?
Vou ver se na próxima, saio no primeiro plano.
Até a volta, Nana.

MAB

sábado, 20 de fevereiro de 2010

França - 13 à table

Para quem pensa que somos um mero grupo de escritores brasileiros...olha nós aí em uma rua de Paris.
Está tudo ótimo, vejo vocês na volta!

beijos

sábado, 13 de fevereiro de 2010

INDECISÃO

Já era tarde, mas o sol não se conteve e voltou para dar mais uma espiadinha, antes de se esconder de vez. Sabia que o momento era único e tua presença ali, talvez....